11 de fevereiro de 2013

O Papa não quer mais ser Papa

Para choque, confusão e comiseração minha,
Joseph Ratzinger se sobressaiu a Bento XVI.
A propósito: quantos Papas renunciaram antes dele?

(Imagem: Pope Benedict XVI in a crowd in Saint Peter's square, By dgodin)

O ano mal começou e a maior notícia do ano já aconteceu: o bispo de Roma renunciará no próximo dia 28. Minha irmã, Andréa Cristina, me telefonou cedo de São Paulo: "Põe na Globo News, que o Papa não vai ser mais Papa". Desliguei na sua cara. E fiquei. Fiquei. Fiquei assentada no sofá branco da sala repetindo quieta, porém desnorteada: "Puxaram o meu tapete... Puxaram o meu tapete...". Não há tapete na sala. É apenas uma expressão que usamos aqui no Brasil quando algo completamente inesperado ocorreu.

Semanas atrás, terminei de ler duas biografias: Bento XVI - O Guardião da Fé e Itinerário Teológico de Bento XVI. Falei delas no Post anterior do Blog A Católica: Os santos, Bento XVI e o amor à Igreja. Senti-me mais próxima do Papa ao me familiarizar com sua trajetória, suas lutas, suas ideias, seu comprometimento com a Verdade. Por isso, não paro de me perguntar: "Por quê?". Por que ele não quer mais ficar à frente do barco da Igreja como João Paulo II, que vimos se apagar sem abandoná-lo?

La Vague Verte (after 1865), Claude Monet

Não julgo. Mesmo porque é coisa rara de se ver alguém assumir a própria pequenez. Ele não consegue mais manter as mãos no timão. Admitiu a fraqueza. Não quer que o barco se desoriente, se perca, se choque nas pedras. Então se retira e cabe à parte da tripulação - aos cardeais - reunirem-se e escolherem outra pessoa apta, sobretudo fisicamente. (Vi um especialista dizer na TV que não é fácil ser Sumo Pontífice nos dias que correm, devido ao volume de compromissos e à atividade intensa.)

Quando penso em mim mesma esmorecida, esgotada pelos cuidados com o meu filho, que acabou de fazer 1 aninho de vida, quando me lembro do meu marido, Farney, com lágrimas nos olhos, cansado de tanto trabalhar ao substituir a chefe nas férias dela, aí compreendo que, por trás de Bento XVI, há um homem chamado Joseph Ratzinger. Um homem que, devido à idade e à saúde (que, dizem, sempre foi) frágil, sentiu a ausência do vigor para prosseguir como sucessor de São Pedro.

É triste, mas não há como fugir desta realidade: ele não é semideus nem santo. Apenas um ser humano. Como eu. Como meu marido. Como você.

Pope Benedictus XVI at a private audience (January 20, 2006) -
Fotografia de Sergey Kozhukhov

Antes de Bento XVI, segundo o professor Richard P. McBrien, em Os Papas - Os Pontífices de São Pedro a João Paulo II (Loyola, 2004), meia dezena de sucessores do Primeiro Papa renunciaram:

Celestino V [1294] é mais bem-conhecido por ser, constante e erroneamente, identificado como o único papa a renunciar ao episcopado. Houve dois outros papas antes dele (e talvez um terceiro e um quarto) que renunciaram ao pontificado por uma razão ou outra.

O primeiro foi Ponciano [230-235], preso e deportado no ano de 235 pelo imperador anticristão Maximino de Trácia, e o segundo, Silvério [536-537], forçado a abdicar em 537.

Um terceiro papa, João XVIII (1003-1009), talvez também tenha renunciado sob pressão. Um quarto, Bento IX, abdicou em favor do padrinho em 1045, mas foi reempossado em 1047. Um quinto papa, Gregório XII, renunciou em 1415, a fim de ajudar a solucionar o Grande Cisma Ocidental (1378-1417).

O padre jesuíta Thomas J. Reese, em O Vaticano por dentro - A Política e a Organização da Igreja Católica (Edusc, 1999), explica:

Saudável ou doente, o papa permanece no cargo até morrer ou renunciar. O número de papas que pode ter renunciado tem sido estimado em dez, mas isso carece de comprovação histórica. A renúncia do Papa Celestino V em 1294 é a mais famosa, porque Dante colocou-o no inferno por isso.

A maioria dos papas tem achado que a renúncia é inaceitável.

Como disse Paulo VI, não se pode renunciar à paternidade. Além disso, Paulo temia estabelecer um precedente que obrigaria os futuros papas a renunciar. Ele também não queria encorajar as facções da Igreja a pressionar os papas a renunciar por outras razões além da saúde.

Amparado pelo Código de Direito Canônico, revisto em 1983, Bento XVI poderá fazer no final deste mês conforme anunciou hoje, 11 de fevereiro: deixar de ser, por livre e espontânea vontade, por razões pessoais, o "bispo de Roma, 'verdadeiro papa e chefe do Colégio de Bispos' com 'autoridade plena e suprema sobre a Igreja universal'" - nas palavras do professor Richard P. McBrien.

Siga o seu destino em paz, Joseph Ratzinger. Obrigada por haver sido um condutor sábio, iluminado e tão apaixonado pela Igreja.

Não tenho dúvida alguma de que Nosso Senhor já escolheu o próximo sucessor de São Pedro. E de que o Espírito Santo iluminará os cardeais em mais um conclave. Que Deus esteja com eles e permaneça conosco - a partir de 28 de fevereiro, ovelhas sem o pastor. Tripulação de um barco, por algum tempo, sem alguém no timão.

Fotografia de Vera Kratochvil

P.S. Leia a íntegra do comunicado do Papa Bento XVI no site NEWS.VA: Bento XVI anuncia a decisão de deixar o cargo. Sede vacante a partir de 28 de fevereiro. Eleição do novo Papa em março.


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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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