7 de novembro de 2010

A bênção, Vinícius de Moraes!

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A obra do poeta que cantou:
Mesmo o amor que não compensa, É melhor que a solidão;
nos convida a refletir sobre o nosso jeito de viver a vida. Confira

Meu marido, há dois dias, acabou de ler a biografia do poetinha Vinícius de Moraes (1913-1980): Vinícius de Moraes - O Poeta da Paixão - Uma Biografia (Companhia das Letras, 2009). À medida que devorava cada uma das dez partes do livro - dividido em "partes", não em capítulos -, Farney vinha extasiado me contar o que achou interessante - se eu deixasse, capaz de me ler a obra inteira, parágrafo após parágrafo!

Para quem (ainda) não sabe, Vinícius foi um... Gênio. Da poesia, da música e (por que não?) da vida. Formou-se em Direito, serviu ao Brasil como diplomata de carreira, escreveu poemas belíssimos, sobretudo sonetos inesquecíveis - o meu favorito é Soneto ao Caju -, e foi um músico e letrista de Primeira Grandeza da Música Popular Brasileira - também chamada carinhosa e resumidamente de MPB.

E foi pensando nesta correria que é a nossa vida, nesta nossa ânsia de realizar Grandes Coisas, de juntarmos dinheiro, de adquirirmos a melhor casa possível, o melhor carro possível, a melhor viagem ao exterior (ou interior) possível, ou até de ganhar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras ou um Nobelzinho sequer (da Paz ou de Economia) ou simplesmente de não sermos eleitos o próximo síndico do prédio ou de ganharmos um acréscimo de, pelo menos, R$ 300 a R$ 1.000 na nossa renda... Que me lembrei dele: VINÍCIUS.

Suas letras encerram não só Beleza, mas muita Lição de Vida também.

E neste dominguinho modorrento, meio cinzinha, de céu entre o branco e o plúmbeo que quis vingar, acontecer, mas não conseguiu, de ar pesado e vento inexistente, decidi selecionar trechos que me ensinaram a viver nas canções de Vinícius de Moraes, as quais ouço, ouço, ouço há anos sem conseguir me enjoar!... De cara, começo com a primeira que me veio à mente:

Eu quis amar mas tive medo
E quis salvar meu coração
Mas o amor sabe um segredo
O medo pode matar o seu coração

(...)

Eu nunca fiz coisa tão certa
Entrei pra escola do perdão
A minha casa vive aberta
Abri todas as portas do coração

Depoimentos de amigos garantem: o poetinha escrevia e cantava aquilo em que acreditava. E eu amo esses quatro últimos versos acima: doutrina cristã em estado bruto e puro, concorda? Trata-se de Água de Beber, fruto de sua parceria com Tom Jobim. Mais outra canção, mais contundente ainda:

Você que só ganha pra juntar
O que é que há, diz pra mim, o que é que há?
Você vai ver um dia
Em que fria você vai entrar

Por cima uma laje
Embaixo a escuridão
É fogo, irmão! É fogo, irrnão!

Vinícius fala:
Pois é, amigo, como se dizia antigamente, o buraco é mais embaixo... E você com todo o seu baú, vai ficar por lá na mais total solidão, pensando à beça que não levou nada do que juntou: só seu terno de cerimônia. Que fossa, hein, meu chapa, que fossa...

Você que não para pra pensar
Que o tempo é curto e não para de passar
Você vai ver um dia,
Que remorso! Como é bom parar

Ver um sol se pôr
Ou ver um sol raiar
E desligar, e desligar

Vinícius fala:
Mas você, que esperança... Bolsa, títulos, capital de giro, public relations (e tome gravata!), protocolos, comendas, caviar, champanhe (e tome gravata!), o amor sem paixão, o corpo sem alma, o pensamento sem espírito (e tome gravata!) e lá um belo dia, o enfarte; ou, pior ainda, o psiquiatra

Você que só faz usufruir
E tem mulher pra usar ou pra exibir
Você vai ver um dia
Em que toca você foi bulir!

A mulher foi feita
Pro amor e pro perdão
Cai nessa não, cai nessa não

(...)

Você que não gosta de gostar
Pra não sofrer, não sorrir e não chorar
Você vai ver um dia
Em que fria você vai entrar

Por cima uma laje
Embaixo a escuridão
É fogo, irmão! É fogo, irmão!

Essa canção chama-se Testamento e resultou de sua parceria com o excelente Toquinho. No final de outra música, Tomara (esta, apenas sua), Vinícius filosofa:

E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais


Vale a pena escutá-la (clique no título: Tomara), pois tem um ritmo gostosinho, irresistível!

Bem, uma das minhas favoritas, que me faz cantar sempre que a ouço e onde quer que eu esteja, é Canto de Ossanha.

Aliás, quando estreou nos cinemas o belo documentário Vinícius (de Miguel Faria Jr., 2006), minha irmã Andréa Cristina, nosso amigo Marcelo Gonçalves e eu curtimos demais. Na cena em que o poetinha entoa Canto de Ossanha, nós três cantamos juntos, em alto e bom som, em plena sala de cinema no shopping Diamond Mall, aqui em BH. Inesquecível!... Confira o que Vinícius fala na canção, parceria sua com Baden Powell:

O homem que diz "dou" não dá
Porque quem dá mesmo não diz
O homem que diz "vou" não vai
Porque quando foi já não quis
O homem que diz "sou" não é
Porque quem é mesmo é "não sou"
O homem que diz "estou" não está
Porque ninguém está quando quer

(...)

Vai, vai, vai, vai amar
Vai, vai, vai, vai sofrer
Vai, vai, vai, vai chorar
Vai, vai, vai, vai viver!

Sentiu só a pujança da letra? Os primeiros versos me fazem lembrar os primeiros versículos do Capítulo 6 do Evangelho de São Mateus. Durante o Sermão da Montanha, Jesus aconselha às multidões:

"Guardai-vos de fazer vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles. Do contrário, não tereis recompensa junto de vosso Pai que está no céu. Quando, pois, dás esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em verdade eu vos digo: já receberam sua recompensa. Quando deres esmola, que tua mão esquerda não saiba o que fez a direita. Assim, a tua esmola se fará em segredo; e teu Pai, que vê o escondido, recompensar-te-á." (Mt 6, 1-4)

Outra composição de Vinícius com Baden, que eu amo de paixão, é Berimbau:

Quem é homem de bem, não trai
O amor que lhe quer seu bem
Quem diz muito que vai, não vai
E assim como não vai, não vem

Quem de dentro de si não sai
Vai morrer sem amar ninguém
O dinheiro de quem não dá
É o trabalho de quem não tem

(...)

Nos versos finais de Canto de Ossanha e em Berimbau, somos convidados: 1º) a viver. O que implica: amar, sofrer e chorar; 2º) a sairmos do nosso egoísmo: não só de dentro de nós mesmos, ou seja, do nosso "mundinho", das nossas preocupações, como fazendo um gesto concreto: dividir o que temos, até o nosso dinheiro. Em Como dizia o Poeta, outra composição com Toquinho, Vinícius sintetiza essa sua filosofia de vida - ele, que era O Poeta da Paixão:

Quem já passou
Por esta vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá
Pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou,
Pra quem sofreu, ai

Quem nunca curtiu uma paixão
Nunca vai ter nada, não

Não há mal pior
Do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa
É melhor que a solidão

Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir?
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer

Ai de quem não rasga o coração
Esse não vai ter perdão

Nos versos finais de Formosa, que compôs com Baden Powell, dá o epíteto:

Ninguém tem nada de bom
Sem sofrer

Samba da Volta é LINDA. Mais uma que se originou da parceria do poetinha com Toquinho:

Você voltou, meu amor
A alegria que me deu
Quando a porta abriu
Você me olhou
Você sorriu
Ah, você se derreteu
E se atirou
Me envolveu
Me brincou
Conferiu o que era seu

É verdade, eu reconheço
Eu tantas fiz
Mas agora tanto faz
O perdão pediu seu preço
Meu amor
Eu te Amo e Deus é mais

Com Baden, o Badinho, Vinícius escreveu também Samba da Bênção (um clássico da MPB), na qual "zomba" da doutrina da reencarnação e nos convida a viver intensamente Esta Vida, que é Uma Só:

É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração

Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não

Vinícius fala:
Senão é como amar uma mulher só linda
E daí? Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher
Feita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor
E pra ser só perdão

Fazer samba não é contar piada
E quem faz samba assim não é de nada
O bom samba é uma forma de oração

Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não

Vinícius fala:
Feito essa gente que anda por aí
Brincando com a vida
Cuidado, companheiro!
A vida é pra valer
E não se engane não, tem uma só
Duas mesmo que é bom
Ninguém vai me dizer que tem
Sem provar muito bem provado
Com certidão passada em cartório do céu
E assinado embaixo: Deus
E com firma reconhecida!
A vida não é brincadeira, amigo
A vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida
Há sempre uma mulher a sua espera
Com os olhos cheios de carinho
E as mãos cheias de perdão...

(...)

Uma outra canção, tristíssima, mas que consta em meu "TOP FIVE - Vinícius de Moraes", é Fogo sobre Terra, que ele fez junto a Toquinho. Para mim, a composição é totalmente demais. E a versão que tenho em CD é a melhor possível: MPB4 e Quarteto em Cy, dois dos melhores grupos vocais do Brasil, entoando-a juntos!! (Achei na Internet apenas este vídeo para você conhecê-la.)

A gente às vezes tem vontade de ser
Um rio cheio pra poder transbordar
Uma explosão capaz de tudo romper
Um vendaval capaz de tudo arrasar

Mas outras vezes tem vontade de ter
Um canto escuro onde poder se ocultar
Um labirinto onde poder se perder
E onde poder fazer o tempo parar

Oh, dor de saber que na vida
É melhor de saída
Ser um bom perdedor
Amor, minha fonte perdida
Vem curar a ferida
De mais um sonhador

Fico por aqui. Deu, né? Aposto que você está com uma vontade danada de ouvir Vinícius de Moraes, ou de assistir ao documentário sobre o qual falei, ou ainda de ler o livro que meu marido devorou em oito dias. Não se reprima (como cantava o grupo pop porto-riquenho Menudo): faça-o!!

No final do filme de Miguel Faria Jr., o Grande Poeta Ferreira Gullar (cuja obra, também admiro e amo) garante: "Vinícius de Moraes ajudou o povo brasileiro a ser feliz!". Fossa não tinha vez com o poetinha e, se tinha, ele dava um jeito de correr com ela, para ser alegre mais uma vez...

Para encerrar, trago todo o lirismo do carioca que AMAVA Minas Gerais (sim, senhor e sim, senhora: José Castello, autor de Vinícius de Moraes - O Poeta da Paixão - Uma Biografia, informa que o artista considerava as bandas mineiras de cá a sua "Pasárgada", em referência ao poema Vou-me embora pra Pasárgada, de Manuel Bandeira (1886-1968): seu local de descanso, onde ele se recompunha). Acompanhe, então, o lirismo de Cores de Abril, parceria com Toquinho.

As cores de abril
Os ares de anil
O mundo se abriu em flor
E pássaros mil
Nas flores de abril
Voando e fazendo amor

O canto gentil
De quem bem te viu
Num pranto desolador
Não chora, me ouviu
Que as cores de abril
Não querem saber de dor

Olha quanta beleza
Tudo é pura visão
E a natureza transforma a vida em canção

Sou eu, o poeta, quem diz
Vai e canta, meu irmão
Ser feliz é viver morto de paixão

P.S. Se tiver a curiosidade de conhecer qual é a minha composição favorita do poetinha... É esta: No Colo da Serra, que escreveu junto a Toquinho, parceirinho constante em seus últimos anos de vida. Saúde e Paz!!


Fotografia de Vinícius de Moraes: Ricardo Alfieri para Revista Gente y la actualidad (Buenos Aires, Argentina, março/1970)

~Ana Paula~A Católica
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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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